terça-feira, dezembro 13, 2011

Ditongos #3




- Austin, Ricardo de Albuquerque, Encantado, Queimados, Jacaré... O jovem casal circulava entre as estantes do terceiro andar da livraria, listando, no que parecia uma livre adedanha ocasional, bairros ao léu. Leblon, Leme, Laranjeiras, Lapa, Madureira, Maracanã. Não sei mais, disse um deles, ocupado em apontar para um livro: "100 receitas de carne", por Silvio Lancelotti. Seus cucurutos arrepiados (eram punks) pareciam barbatanas de tubarões-cliente que circundam o vendedor circunscrito em silêncio, observando-os serenamente a desfilar entre coroas e janotas em horário de almoço. Uma leoa fêmea falava ao celular enquanto passava o código de barras de um dvd do Phill Collins pelo leitor ótico: “Mas se a ferida não sara, pode infeccionar e virar um câncer. Ela tem que desistir desse piercing!”.

O Senhor Furacão, de terno impecável e óculos grossos de aros pretos, tinha os fios de cabelos agregados em pincéis de brilhantina e ares de diplomata recém espanado de uma repartição. Poderia se chamar Alvarenga. Averigua minuciosamente as sinopses, as capas e os boxes de dvds, realocando-os numa ordem que lhe é própria. Pilhas da coleção Lume na gaveta de filmes de guerra, filmes nacionais na sessão de musicais, ordens não menos curiosas do que a matemática dos passos dos transeuntes da Sete de Setembro ao meio dia. O Gordo e o Magro, Os anões também começaram pequenos, Demência 13, Um Maluco Genial, ultraje a rigor. O Senhor Furacão, me coube imaginar, fora ministro do Planejamento, pásmem, entre 69 e 79. Tenho vontade de lhe perguntar o que ele acha de uma frase surrealista que li numa crônica do Paulo Mendes Campos: “Os elefantes são contagiosos.” Mas acabo não perguntando, achei mais prudente.


1. Lembrar de comprar o Little Black Book do Leonard Cohen no final do mês. Lembrei, mas já o haviam levado.



Diálogos:
- Tem “Um tira em apuros”?
- Não
- E “Um tira sem vergonha”?
- Também não
- E “Um homem sério?”
- Deixa eu ver... (vejo no computador). Não. Não tem.
- E “Um homem sem passado”?
- Talvez. Deixa eu pesquisar... Não
- Tem “A hora do pesadelo”? O cinco?
- Nâo, só o um.
- Não adianta, já tenho, só falta o cinco.
- Você tem “A última noite”?
- Só em Blue Ray.
- O que é Blue Ray?
- A imagem é melhor, a resolução é melhor.
- A imagem não me interessa, me interessa a história.

Num sábado de manhã, uma senhora: – Eu pensei que era uma coisa histórica, didática, fui ver com meus netos, mas aí tem umas cenas terríveis! Deviam colocar uma advertência na capa! Posso trocar? - Pode, minha senhora, pode. O filme em questão? Calígula.



Johnny Cash:
“Sometimes I am two. Johnny is the good one. Cash cause all the troubles. They fight”.


- Vocês aqui tem CDs de piada? Tipo Costinha?
- Temos 500 anos de piadas de português e “Nâo quero ver você ficar careca e as piadas mais sacanas do Brasil”.




Um senhor assez malhado de bigodes espessos e camiseta regata verde apertada me cutuca o ombro já me chamando pelo nome visto no crachá:
- Augusto, você tem aí liberdade para matar?
- Olha, acho que não... O senhor sabe de quem é?
- George Peppard, vê com dois pês.



Signifrito Figueiroa

quinta-feira, julho 14, 2011

VERDURA INDIE


E eis que na noite de karaokê indie, dançando Ramones na pista 02, rodeada de crianças de no máximo vinte anos de vida que me olham achando que estou dançando uma música da minha época, me cutuca um menino.

Dois terços da minha idade assim como dois terços do meu tamanho. Acima do peso, aparelho nos dentes.

- Posso falar com você?

(hey, ho let´s GO, hey ho, let´s GO, hey ho let´s GO…)

- Pode

(… e emenda em shot through the heart and you're to blame… you give love…)

- Qual seu nome?

- Barbara

(… a bad name)

- Oi? Não te ouvi, a música é alta...

E aproxima o ouvido bem próximo à minha boca, quase nas pontas dos pés. Pega na minha cintura

(Bon Jovi bombando, os jovens loucos. Que tipo de DJ emenda Ramones em Bon Jovi?? Isso é meio estranho ou realmente sou eu que estou ficando velha?)

- BAR-BA-RA

Me afasto. Ele se aproxima. Ponta dos dedos, ou quase.

- Prazer, o meu é.....

Não ouço mas finjo que.

(Whoa, you're a loaded gun, yeah whoa, there's nowhere to run)

- Ah, prazer!

Ele ri

- Você na realidade não ouviu meu nome…

Eu, pega na mentira.

- Err... não...

- Alface

-Hum... ok...

Ele se surpreende.

- Não acha estranho?

- Seu apelido?

Monique e Bernardo a essa altura gargalham da minha cara, sem pudor nenhum, e me dá uma vontade danada de rir também.

Envelhecemos e perdemos as vergonhas.

(Bon Jovi nem importa mais muito. A DJ atrás da cabine usa batom vermelho e tem pouco mais de dezoito)

- Esse é meu nome de verdade, mas também tenho um apelido... quer saber?

Nessa hora me entrego ao riso. Gargalho e ele continua. Coloca sua boca bem próxima ao meu ouvido, pega de novo na minha cintura.

- Facinho

Alface olha pra mim e me sorri o sorriso mais metálico do mundo.

Explodo.

- Hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha!!!!!!!

Eu olho pra ele, lágrimas de tanto rir, e de repente me encho de afeto. Queria abraçá-lo e falar que assim ele vai longe. Que ele merece uma menina da idade dele muito legal. Que ele é o cara. Levantar a mão para o alto e oferecer um “Give me Five...!”

Ele pode interpretar mal.

Me recomponho e tiro meu maço do bolso.

- Desculpe mas não suporto Bon Jovi e preciso de um cigarro.

Saio. Ele me olha com olhar de cachorro abandonado para depois sorrir.

O sorriso mais metálico do mundo. Facinho.

Barbara Kahane

quinta-feira, março 10, 2011

sob a proteção da arma melancolia


Andava pela Carioca, em direção ao metrô. Isso foi hoje mais cedo. Coisa de quatro horas, quatro horas e meia. Da tarde.

Meus pensamentos insistiam, como andam insistindo nesses dias de folia e de ressaca , em pairar pelas regiões mais nebulosas da minha alma ou do meu cerébro (não sei na realidade direito por onde eles costumam rondar... se são pensamentos deveriam ser no cerébro, mas às vezes parece que eles pisoteiam é a alma...). Mas enfim, seja em qual lugar for desses pensamentos pairarem, era na faixa nebulosa que todos temos e tentamos rotineiramente fugir, que eles passeavam.

Andava distraída assim.

Um menino de rua, metade do meu tamanho, segurando uma caixa de chicletes vazia cruza meu caminho.

Oferta a mercadoria.

Faço que não com a cabeça. Olhos marejados por trás dos grandes óculos escuros comprados na liquidação de uma magazine mirando o chão. Olhando para onde piso, mas não enxergando muito mais nada além da faixa nebulosa dentro da minha cabeça ou da minha alma... sabe, isso nem vêm ao caso para a história, na realidade.

O menino de rua assovia. Três outros meninos me cercam. Eles não carregam caixa de nada nas mãos. Eles me cercam e não sinto medo. Não sinto muito lá coisa alguma. Tenho 50 reais na carteira que iriam ser gastos para alguma coisa qualquer irrelevante para o futuro do planeta. Continuo andando olhando para o chão.

Eles me cercam e um deles ameaça me empurrar. O outro pára bem na minha frente. Todos com metade do meu tamanho. São muito pequenos, dado que tenho pouco mais que metro e meio de altura.

O outro pára bem na minha frente e como estou olhando para o chão e minha cabeça está na direção para baixo, é bem pouco o esforço de olhá-lo no olho. Na verdade isso meio que acontece sem querer até.

Eu olho o menino sem caixa nenhuma na mão e metade do meu tamanho nos olhos e ele olha nos meus. Ele vê por trás da lente e pára.

Daí se dirige para o grupo:

"O seus mané, vamos deixar a tia em paz. Cês não viu que ela tá triste?"

Eles se dispersam e ganham a Carioca. Eu entro no metrô rumo ao Largo do Bruxo. Os 50 reais da minha carteira continuarão sendo gastos com alguma coisa bastante irrelevante. E a faixa nebulosa me joga na cara que ao menos ela serve como boa proteção.


Barbara Kahane

terça-feira, novembro 23, 2010

abudefduf

A última cartada do arroz branco foi o risoto improvisado.

set_1

http://www.flickr.com/photos/96184543@N00/sets/72157625332155933/show/


Sonhei que uma cabeça de mico leão me mordia o dedão do pé.

quinta-feira, setembro 23, 2010

Agarrando o tempo que passa





Tem esse café em Copacabana meio metido a francês. É perto “do” Copa e lá vende madeleines. Elas estão lá, em exposição para os clientes junto às outras iguarias, e na etiqueta que indica o que aquilo é está escrito Madeleines (Marcel Proust).

Eu estava tomando um expresso e comendo uma quiche metida à besta de queijo de cabra com amêndoas quando esse senhor apareceu. Uns setenta e poucos anos. Estava assustado. Ele percebeu que eu percebi que ele estava assustado. Me tomou por cúmplice. Eu era anos luz a pessoa mais nova do salão. Se bobear, depois de mim (e das garçonetes) ele era a segunda pessoa mais nova do salão. Veio em minha direção.

“Acabei de levar uma bolsada de uma velha.”

“Oi?”

“Na farmácia... acabei de levar uma bolsada de uma velha louca.”

Tomei um gole de café. Seus olhos assustados esperavam uma reação. Reagi.

“Nossa... que horror...”

Ele aquiesceu com um movimento de cabeça.

“O senhor está bem?”

“Sim, foi mais o susto.”

Silêncio. Dei uma garfada. Ele me olhava, eu tentava não olhar para ele. Ele estava parado na minha frente. Comecei a ficar constrangida por estar simplesmente mastigando. Olhei-o nos olhos.

“E você quer saber por que ela me bateu?”

Tentei arrumar alguma maneira delicada de dizer que não, mas não consegui a tempo. Ele respondeu mesmo assim.

“Porque falei que a Dilma nunca tinha sido guerrilheira... a mulher ficou uma fera...”

Meu deus, para onde iria essa conversa? Parei de comer. Gosto de estar muito concentrada no sabor quando estou comendo. Tomei um último gole do expresso e respirei fundo, aquilo poderia levar tempo.

E levou.

O senhor sabia todas as teorias da conspiração possíveis. Todas contra Dilma. Inclusive que ela está à beira da morte, que havia sido operada naquela semana e que naquele dia específico ela não tinha tido a agenda divulgada porque estava se recuperando da delicada cirurgia. O senhor realmente estava muito preocupado com isso. Havia até se esquecido da bolsada da velha maluca.

“Se a Dilma vencer fico bastante insatisfeito. Mas se ela morrer depois de eleita vou para Londres... sumo daqui.”

“Londres?!”

“Minha filha mora lá.”

“Então talvez seja essa a única solução...”

“É... só não sei se minha filha iria gostar muito da ideia... é porque ela tem lá.. a vida dela... é casada... casada com um inglês... tem filhos... meus netos são ingleses...”

Olhei em seus olhos e vi que marejaram. Ensaiou um riso.

“Sabe, visito minha filha uma vez a cada dois anos”

“Que bom...!”

“E depois viajo por várias cidades... no fim, sempre dou uma paradinha em Paris... lógico...”

“Lógico...”

“É também o seu lugar favorito da Europa?”

“É o único que eu conheço..”

“Ah...”

Mais um silêncio. Não sei se o que eu sentia era um desejo dele ir embora ou de continuar falando.

“Você trabalha?”

“Sim..”

“Mexe com que?”

“Cinema.”

“Ahhh.. que boa notícia! Podíamos fazer um filme sobre isso...”

“Hã?”

“Sobre isso, essas histórias que eu sei da Dilma. Já liguei para Globo News falando que eles podiam me entrevistar, mas eles não se interessaram... de repente se a gente levar uma coisa pronta.. com tudo o que sei.. imagina o escândalo.”

Dei uma segunda olhada para ele. Ele realmente, numa primeira impressão, não parecia louco. Ele falava muito bem. Suas roupas eram visivelmente caras. Sua filha com toda certeza morava em Londres. A solidão faz coisas muito tristes e engraçadas com a cabeça das pessoas.

“Desculpa. Meu trabalho com cinema é burocrático. E ainda mais cuido de uma outra etapa. Exibição. Eu cuido para que os filmes sejam exibidos... não é bem isso mas é mais ou menos isso..”

“Entendo...”

Ele falou com a cara de quem não tinha entendido nada... fiquei triste.

“E olha, um filme leva tempo.. tem que escrever, filmar, editar, fazer cópias para distribuir... a eleição é daqui algumas semanas, né? Não daria tempo”

“É... estamos ferrados...”

Olhou triste para o chão. O futuro realmente o apavorava.

“Você acha que eu mereci? Levar uma bolsada?”

“Não. Ninguém merece levar uma bolsada.”

“E só porque eu falei uma verdade!”

“Quase ninguém está preparado para ouvir verdades.”

Ele gargalhou com vontade.

“Você gosta de música?”

“Gosto.”

“Você já foi ao Municipal depois de reformado?”

“Ainda não.”

Ele ficou em silêncio e me encarou.

“Você é casada?”

Não acreditei que ele estava encaminhando o papo para essa direção. Respirei fundo.

“Não.”

(...)

“Você tem namorado?”

Ri visivelmente admirada com o movimento audacioso dele.

“Tenho...”

“Claro que tem... desculpa a pergunta, é que sou amigo da Carla Camurati e ganhei dois ingressos para Sábado ver a Orquestra Sinfônica Brasileira tocar Stravisnky... se você não fosse comprometida iria te convidar, mas já que você tem namorado, não convém...”

“É... não convém...”

“Desculpas.”

“Tudo bem.”

“Eu preciso ir... desculpa te incomodar, mas precisava conversar com alguém enquanto o susto não passava... imagina, um homem da minha idade levar uma bolsada de uma velha! Muito obrigado mesmo pela sua paciência.”

“Imagina, foi um prazer.”

“Meu nome é Lúcio.. qual é o seu?”

Pensei se dava o nome certo ou não.

“Barbara.”

Ele estendeu a mão dele. Eu estendi a minha. Ele beijou minha mão com o olhar mais galeanteador do mundo. Me concentrei em algo muito sério para não rir, apesar de também sentir um pouco de lisonjeio pelo ato.

Ele foi embora agradecendo a companhia mais uma vez e saiu da loja.

Pedi um segundo expresso para comer a outra metade da quiche que ainda me esperava. Estava murcha, mas encarei.

Na mesa ao lado percebi que havia outro senhor, muito mais velho que Lúcio. Ele estava com uma menina muito mais nova do que eu, possivelmente uma espécie de acompanhante/enfermeira. Ela era bastante faceira. A garçonete trouxe meu café e foi anotar os pedidos deles. Só ele falou.

“Uma torta de morango e uma xícara de chá preto.”

A garçonete anotou o pedido e foi para trás do balcão.

“O senhor hoje não irá pedir madeleines?”

“Hoje não.”

“Se incomoda se eu pedir para mim?”

O velho riu com todo o prazer do mundo.

“Não me incomodo nem um pouco. Hoje você quem nos conduzirá à Combray.”

A menina olhou para ele como se nada compreendesse.

“Gosto de você porque você aprende rápido.”

A menina gargalhou de maneira vulgar e orgulhosa. O velho gargalhou de maneira cínica. Os dois se entendiam.

Comi o resto da quiche fria, bebi o café. Estava na minha hora. Paguei minha conta e voltei ao mundo real.


Barbara Kahane

quarta-feira, agosto 18, 2010

Eu e a Bicicleta




Eu não sei andar de bicicleta, nunca soube. Quem anda de bicicleta conhece intimamente uma liberdade que não me pertence. Quem anda de bicicleta possui uma confiança que eu desconheço. Tenho inveja de quem anda de bicicleta impunemente. Tenho inveja de quem diz naturalmente “vou de bike” ou “vou pedelar”, e sai faceiramente em busca de seu destino, muito mais rápido do que eu. Tenho ciúmes dos olhares dos rapazes direcionados às meninas de vestidos floridos e cabelos ao vento. Tenho inveja da confiança dessas meninas. Eu não sou assim, e nunca fui. Eu só sei andar a pé e possuo a confiança de quem olha por onde pisa, e ainda assim tropeça.

Eu tampouco dirijo carros, mas isso não me incomoda em nada. Carros são muito perigosos. Carros antes de tudo são máquinas. Eu tenho inveja é das bicicletas. Eu tenho inveja de quem controla as bicicletas. Quem controla as bicicletas me parece ter o poder de controlar o mundo e eu, que gasto uma força desmedida para manter o controle de mim mesma, invejo.

Elas que me cortam no papo à noite e se mostram mais interessantes e desviam em um lapso de segundo a atenção que lutei tanto para conseguir, sabem andar de bicicleta. Elas que falam bem em público, que impõem suas opiniões, que convencem os outros de suas melhores ideias e que acabam promovidas enquanto gaguejo teorias bobas e mal pago o aluguel, sabem andar de bicicleta. Elas que as vozes encantam como um canto de sereia e de repente sou invisível, sabem andar de bicicleta. Elas que sabem fazer rir enquanto me atrapalho em tentativas pífias de trocadilhos, sabem andar de bicicleta. Elas que entendem tudo dos astros, entendem de quem rege e é regido, entendem de ascendentes e da lua enquanto eu ainda desconfio da onde exatamente vim, sabem andar de bicicleta. Elas que fazem biquinho nas fotos do perfil de sites de relacionamento, que curtem os comentários na hora certa de serem curtidos, que comentam baboseiras espirituosas enquanto meu dedo fica trêmulo, sabem andar de bicicleta. Elas que se dizem poetas, que se dizem bruxas, que se dizem atrizes, que se dizem putas, que se dizem cientistas, que se dizem cineastas, que se dizem bailarinas, que se dizem mães, que se fazem de santas, enquanto eu ainda tento entender qual a cor da minha sombra, sabem andar de bicicleta. Elas que sempre ganham, sabem andar de bicicleta.

Eu não sei andar de bicicleta. Por conta disso nunca me sentirei completamente livre. Nunca atravessarei a orla da Zona Sul ou darei a volta na Lagoa ou subirei as Paineiras ou cruzarei o Aterro pedalando. Nunca, numa manhã de domingo primaveril, comprarei flores e jornal e passearei pelo bairro cumprimentando os moradores enquanto a brisa despenteia providencialmente meus cabelos. Nunca desbravarei uma trilha e, depois de horas com a galera da trilha, verei o Rio lá de cima e junto com esse meu grupo dividirei um silêncio quase religioso, reverenciando a cidade.

Eu não sei andar de bicicleta.

Eu não sei me equilibrar.

Eu não sei frear.

Tenho medo da velocidade.

Tenho medo da queda.

Eu não sei andar de bicicleta e há muito abdiquei dessa liberdade pela primeira mesa de um bar.

Barbara Kahane